Um Plano Simples, que Pode Salvar a sua Vida
Numa ensolarada manhã de primavera, em abril de 2003, um experiente alpinista chamado Aron Ralston, descia o Blue John Canyon, um local próximo ao Parque Nacional Canyonlands (Utah/EUA), quando uma rocha suspensa que ele escalava se soltou, esmagando seu braço direito e prendendo-o contra a parede do cânion.
Após 5 dias – e inúmeras tentativas de se libertar -, pressentindo que iria morrer se não fizesse algo, ele decidiu por amputar seu próprio braço, utilizando um canivete. Essa história foi minuciosamente contada, no bem-sucedido filme biográfico ‘127 horas’, do diretor britânico Danny Boyle.
Aron cometeu um erro primário, que poderia ter custado a sua vida: não avisou para ninguém aonde iria e quando estaria de volta.
Apesar da grande lição que esse incidente nos ensinou, o número de pessoas que ainda cometem o mesmo erro todos os anos, é incrivelmente alto.
O termo ‘Visibilidade’ refere-se à obrigatoriedade de uma pessoa estar sempre visível para a outra. Esse procedimento evita que você fique sozinho, caso se perca ou, num eventual acidente, que você tenha uma pessoa que possa lhe socorrer ou sair para pedir ajuda.
Esportes na natureza são, por definição, coletivos. Portanto, percorrer uma trilha ou fazer escaladas sozinho, é um risco que você deve evitar a todo custo. E isso independe do grau de conhecimento que você tenha do percurso ou quão experiente você seja. Basta que você passe mal e caia desacordado para que a situação saia totalmente do seu controle.
Portanto, a regra básica é: “Caminhe sempre em grupo, memorizando e mantendo no seu campo visual a pessoa que está imediatamente à sua frente e a pessoa que está imediatamente atrás de você”. Em intervalos de tempo regulares e curtos, verifique se elas ainda estão dentro do seu campo visual. Caso contrário, emita imediatamente um alerta para que uma ação de reunir o grupo novamente, seja tomada.
Nem sempre, confiar nos olhos é suficiente para manter as pessoas sempre visíveis. Em caso de neblina ou nevoeiro muito densos, por exemplo, uma das técnicas mais comuns, para manter todos visíveis (e juntos), é amarrar uma corda na cintura de cada participante. Diferentes situações exigem diferentes técnicas e soluções, embora o princípio da Visibilidade seja o mesmo para todas elas. É importante ressaltar que, deve haver um planejamento para cada situação, e quais ações devem ser tomadas caso elas ocorram.
Alguns equipamentos simples, podem ampliar o seu campo de visibilidade.
ATENÇÃO: Por entender que são itens essenciais para a sua segurança, o GPM recomenda que você sempre leve na sua mochila, os seguintes equipamentos:
– Um bom apito de metal;
Bons apitos podem emitir um sinal audível até 10 vezes mais alto do que a sua voz.
– Lanterna ou uma ‘Lanterna de Cabeça’ (Headlamp) potente, e pilhas extras;
Uma lanterna pode ser utilizada como sinalizadora, permitindo que uma pessoa à longas distâncias consiga ver o ponto exato em que você se encontra.
– Celular desligado, com a bateria totalmente carregada (e uma ou duas baterias extras).
Apesar de não ter garantias de que o sinal de onde está, será forte o suficiente para uma ligação de pedido de socorro, muitos celulares permitem que você utilize o GPS localmente (sem qualquer sinal de internet).
Observe que os itens acima devem ser levados, independentemente do tamanho do percurso, das condições do tempo, e da parte do dia que você realizará o seu deslocamento.
Agora imagine o que aconteceria se um grupo com três participantes errasse o caminho e ficasse preso e impossibilitado de voltar?
A situação acima, nos remete novamente ao caso ‘Aron’, onde agora, ao invés de apenas uma pessoa, três delas encontram-se desaparecida, fora do campo de visão de qualquer outra pessoa.
Geralmente associamos o temo ‘Visibilidade’ a ‘estar visível aos olhos’. Entretanto, podemos ‘estar visíveis’ para outras pessoas, sem necessariamente, estar dentro do campo de visão delas. Essas outras pessoas, inclusive, podem estar a centenas de quilômetros de distância de onde você se encontra.
A essa técnica, nós chamamos de ‘Visibilidade Remota’, e deve ser rigorosamente planejada antes de você dar o primeiro passo para fora de casa.
A seguir, ensinaremos, em quatro passos simples, como montar um excelente ‘Plano de Visibilidade Remota’, que poderá salvar a sua vida:
Passo 01
Escolha duas pessoas para que ‘observem’ você enquanto estiver em locais que não há formas de comunicação (chamamos essas pessoas de ‘anjos’).
As pessoas escolhidas devem ter um perfil disciplinado (que consigam cumprir um plano à risca), devem ser criteriosas e estar comprometidas com o seu projeto.
Essas pessoas não participarão com você da sua empreitada (você entenderá o papel delas no Passo 04).
Passo 02
Desenhe em um papel, o percurso completo que fará, desde a hora em que pisar fora de casa, até a hora que voltar.
Identifique nesse desenho os trechos nos quais você não terá comunicação com essas duas pessoas.
Passo 03
Faça uma relação de todas as informações que serão úteis para a sua localização (nomes e telefones das pousadas, números dos voos, telefones da companhia e números dos ônibus, telefones de bombeiros e resgates da região, etc).
Identifique também, data e hora em que entrará – e data e hora em que sairá -, desses trechos sem comunicação.
Passo 04
Marque uma reunião presencial, com as duas pessoas escolhidas no Passo 01, para traçar um plano de ação.
Dentre essas duas pessoas, uma será responsável por interagir com você no seu plano, e a outra para monitorar se essa pessoa não esqueceu, ou deixou de cumprir algum passo definido.
Nesse plano de ação, para cada trecho sem comunicação, um roteiro completo deve ser criado, com ações padrões e ações emergenciais.
Vamos dar um exemplo para que você entenda melhor.
Suponhamos que você fará, nos dias 03-04.Nov, a Trilha das Sete Quedas, no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Goiás – Brasil).
Um ‘Plano de Visibilidade Remota’ poderia conter os seguintes passos:
a) 03 de Novembro às 8h: Enviarei uma mensagem (WhatsApp) ‘Iniciando a trilha’;
b) 04 de Novembro às 12h: Enviarei uma mensagem (WhatsApp) ‘Trilha concluída’;
c) Se até às 15h30, nenhuma mensagem for recebida, entrar em contato com a portaria do Parque e comunicar um desaparecimento (informar qual a trilha que eu estou fazendo).
Os itens ‘a’ e ‘b’ são os procedimentos padrão. O item ‘c’ é o procedimento de emergência caso você não diga que chegou bem na data e hora combinados.
Observe que essas pequenas ações evitariam que você ficasse desaparecido por dias sem que ninguém soubesse do seu paradeiro, e aumentaria significativamente as chances de você ser resgatado ainda com vida.
É importante destacar também, que o seu Plano de Visibilidade deve contemplar os trechos que você estará na estrada, ou viajando de avião. E nunca deixe de fazer o seu registro de entrada e saída, em Parques Nacionais e áreas protegidas.
O seu Plano de Visibilidade deve ser o mais detalhado possível. Quanto mais situações forem previstas nele, mais controle você terá sobre a situação.
Siga essas dicas simples que podem salvar a sua vida, e continue praticando os esportes na natureza com mais segurança.
Esperamos que esse artigo tenha sido útil para você. Caso tenha alguma dúvida, poderá entrar em contato com o GPM pelo e-mail contato@gpm.org.br, que nós teremos o maior prazer em atendê-lo.
* O termo ‘Visibilidade’ foi cunhado pela primeira vez pelo Grupo Paulista de Montanhismo (GPM) para descrever uma técnica de segurança, e tornou-se assunto obrigatório na disciplina de Planejamento de Aventuras, dentro do seu Curso Básico de Montanhismo.