Projeto 10 cumes do Grupo Paulista de Montanhismo- PARTE III
Texto de Flávio Kitahara
Revisão de Nanci Kaneko
Dedicado para Nilton Ueda
QUEM VAI COORDENAR AS PRIMEIRAS SAÍDAS?
Se não tem tu, vai tu mesmo…
Considerando-se como base a cidade de Sampa, seis dos onze pontos culminantes do país estão dentro de um raio de 250 km, sendo que o Pico das Agulhas Negras, Morro do Couto, Pedra do Sino de Itatiaia e Pedra do Altar estão no interior do Parque Nacional do Itatiaia (PNI).
Seriam as primeiras saídas, menos exigentes do ponto de vista físico e técnico, ideais para iniciar a caminhada de evolução de montanhistas iniciantes. Pela proximidade e a possibilidade de realizar as ascensões em finais de semana, atraiu muitos montanhistas. Quem coordenou essas saídas?
Foram indicados para planejar, coordenar e organizar as saídas ao PNI dois montanhistas com vivência na região: Nilton Ueda e Flávio Kitahara.
Afinal, quem são esses caras?
NILTON UEDA, THE BIG BOSS
Quem passou pelos cursos básicos de montanhismo do Grupo Paulista de Montanhismo nos últimos anos certamente se lembra de uma figura folclórica e hollywoodiana, civilmente conhecido como Nilton Ueda e popularmente como “Boss”, The Big Boss.
De acordo com o Boss, o ator figurante e desconhecido Jackie Chan é confundido com ele pela semelhança física.
Entretanto, o Boss também já foi um estagiário um dia. Já dava nó no trabalho em 2004 e à frente do CBM, onde acabou se especializando em Itatiaia.
Sua primeira incursão ao PNI foi em 1986, ao lado da então namorada Liane Aoki Ueda, atual esposa e candidata à canonização pelo fardo que carrega sendo a Boss do Boss.
Desde 2000, Boss organiza uma confraria anual sempre em Itatiaia para reunir os amigos montanhistas e karatecas, invariavelmente no feriado de 4 dias de Corpus Christi, com base na Pousada dos Lobos.
Dedica-se este texto para ele, The Big Boss, ex-presidente do GPM, por sua coordenação e participação significativas no Projeto 10 Cumes do GPM, pelo seu voluntariado por duas décadas na formação de montanhistas levando centenas deles para o PNI, entre outros picos.
Flávio Kitahara, vulgo Chiko ou Kita
Fundada pelos sócios Luiz Makoto Ishibe, Thomaz Brandolin e Roberto Linsker, The Adventure Company foi uma empresa pioneira especializada em equipamentos e turismo de aventura. No final da década de 80 e início da década de 90, inspirou e fomentou gerações de montanhistas, escaladores, trekkers e aventureiros com suas apresentações de audiovisuais semanais, sempre às terças, compartilhando uma nova aventura em alguma parte do mundo.
Frequentadores assíduos dos audiovisuais, Diogo Tozaki, Walter Takafumi Kitakawa, Marcos Yoshiuki Hirata e Flávio Kitahara marcaram presença no audiovisual sobre o Parque Nacional do Itatiaia com o Thomaz Brandolin. No início da apresentação, ele questionou:
– Quem aqui ainda não foi para Itatiaia?
Os amigos olharam para os lados e entreolharam-se… Ninguém havia levantado a mão e, constrangidos, também não levantaram, embora ainda não tivessem ido para Itatiaia.
Durante a apresentação, uma imagem marcou profundamente o Flávio Kitahara. No alto do Pico das Agulhas Negras, no local conhecido como Cruzeiro, havia uma cruz de metal de 5 metros de altura instalada em 1965 e lá permaneceu de pé até 1993. Ao chegarem ao local, muitas pessoas subiam na cruz para tirar fotos, mas não como aquela da apresentação. A foto de Thomaz na cruz lembrava a crucificação de Jesus.
Os amigos saíram da apresentação com o compromisso de ir para Itatiaia, já que todos conheciam menos eles.
Finalmente, em julho de 1989, Marcos Hirata e Flávio Kitahara partiram para o PNI. Pegaram um ônibus até o município de Itatiaia, outro ônibus urbano até Engenheiro Passos e mais três caronas com desconhecidos até a parte alta do parque. Eles conheceram um guarda-parque na antiga Pousada Alsene que os levou até o Abrigo Rebouças.
No dia seguinte, alcançaram o Cruzeiro do maciço de Agulhas Negras graças a montanhistas do Centro Excursionista Universitário (CEU) que gentilmente os conduziram.
Entre dezenas de fotos, Flávio Kitahara queria reproduzir aquela foto que o impressionou tanto na apresentação do PNI na Adventure Company.
Assim foi a motivação que o levou para a primeira incursão ao PNI em 1989. Retornou muitas e muitas vezes depois, inclusive de carona na caçamba de um caminhão de bebidas…
São muitos causos em Itatiaia, é difícil escrever pouco sobre esses montanhistas. Já que a vaca foi para o brejo, vamos voltar à vaca fria…
PARQUE NACIONAL DO ITATIAIA (PNI)
Na Serra da Mantiqueira, próximo ao ponto de encontro das divisas dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, abrangendo os municípios mineiros de Alagoa, Bocaina, Itamonte e fluminenses de Resende e Itatiaia, está localizado o Parque Nacional do Itatiaia.
Itatiaia é uma palavra de origem indígena Tupi. Há várias interpretações para o seu significado, sendo que a mais aceita é “Pedra Pontuda”.
O primeiro parque nacional brasileiro foi criado em junho de 1937 pelo então Presidente Getúlio Vargas, atualmente é uma Unidade de Conservação com seus 30.000 hectares administrados e fiscalizados pelo ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
A FEMESP – Federação de Montanhismo do Estado de São Paulo, órgão representativo dos montanhistas paulistas, participa do Conselho Consultivo do PNI, através das pessoas de Luiz Carlos de Oliveira e Flávia Ribeiro González.
Na parte alta do PNI, conhecida como Planalto de Itatiaia, estão concentradas as principais formações rochosas da região e os alguns dos pontos mais altos do país: 11º – Pedra do Altar (2.663 m), 9º – Pedra do Sino de Itatiaia (2.670,0 m), 8º – Morro do Couto (2.687,0 m) e 5º – Pico das Agulhas Negras (2.790,9 m).
O planalto registra uma temperatura média anual de 11,4 ºC. No verão, a média chega a 13,6 ºC. No inverno, nos meses mais frios e nas partes altas do maciço das Agulhas Negras, a temperatura chega a dois dígitos negativos. Há registros de nevascas em Itatiaia, sendo que muita gente entrou numa fria em junho de 1985, quando nevou por 9 horas seguidas e acumulou um metro de neve nas partes altas. Quem diria que neva em pleno estado do Rio de Janeiro…
Morro do Couto e Pedra do Altar
O final de semana de 2 e 3 de abril de 2005 marcou o início do Projeto 10 Cumes com as primeiras saídas, as ascensões do Morro do Couto (sábado) e Pedra do Altar (domingo). Reuniu 36 montanhistas, o maior número em todas as saídas do projeto: André Eiji Okazaki, Andrea Fernanda de Andrade Araújo, Carla Anita Tanaka, Carla Negrão, Carlos Renato Ismael, Claudinei Dias da Silva, Daniela Corci Cardoso, Danilo Allegrini, Denis Adriano de Nadai, Dilson de Almeida, Ding Xu, Edi Fernando Vieira Filho, Edson Mitsuo Sasaki, Eduardo Batista, Eduardo Crestana Guardia, Eduardo Sertório, Eli Shimako, Eliane Katsumi Tsuruda, Emerson José Aguiar, Flávio Masahiro Kitahara, Flório Antonio Ferreguti, Fredson Lopes de Macedo, Gilberto Yuudi Komorizono, Ivete Sugita, Lucinda Yuri Tashiro, Mário Toshiyuki Hoashi, Marlei Mathias, Mika Tsuda, Nanci Yuko Kaneko, Nelson Kasuyoshi Kodama, Nilton Ueda, Oscar Câmara Nogueira da Gama, Ricardo Chindi Fujii, Ricardo Suzuki, Roberto Augusto Rosa, Simone Fabiane da Silva e Wilson Mitsuaki Sekiguti. Todos conduzidos pelo Boss.
Um funcionário de Furnas autorizou a entrada do grupo e, com o Boss à frente, iniciaram a subida pela estrada de acesso às torres. Quase no final, à direita, entraram numa trilha bem demarcada em direção ao Couto. Passaram pela base do campo-escola Luiz Fernando para mais adiante contorná-la à direita, por cima. Viraram à esquerda, subindo uma rampa e já avistaram a torre menor de Furnas. A partir daí, vislumbrava-se a bela Serrilha dos Cristais à direita e à frente, a visão das pedras amontoadas sobre as quais está o cume do Morro do Couto.
Segundo o Guia da Região de Itatiaia, neste último trecho de acesso ao cume está a Via Normal, classificada como 1º I E1, conquistada em 1927 por Richard Brackmann e M. Pinn.
Almoço no cume e logo em seguida, iniciaram o retorno pelo mesmo caminho.
O grupo estava acampado em torno da Pousada Alsene e à noite, uma confraternização de boas-vindas com um tradicional curry.
No dia seguinte, alongamento, aquecimento e briefing no estacionamento do Abrigo Rebouças e partiu, Pedra do Altar!
Atrás do Abrigo Rebouças, os montanhistas seguiram em fila, contornaram o reservatório de água e logo entraram na trilha seguindo sempre em direção à Agulhas Negras. Após atravessarem uma ponte pênsil, cerca de 250 metros adiante, desviaram-se à esquerda, subindo. Cruzaram um passo e avistaram à direita, a trilha que dá acesso ao cume da Pedra do Altar.
As ascensões do Morro do Couto e Pedra do Altar exigiram menos do ponto de vista físico e técnico, dentro da proposta de evolução gradativa e marcando o início do Projeto 10 Cumes. Animados, muitos retornaram nas saídas seguintes.
Pico das Agulhas Negras
Até a década de 30, o Pico das Agulhas Negras era considerado o ponto mais alto do Brasil. Rebaixado à quarta posição até o início dos anos 2000, quando foi ultrapassado pela Pedra da Mina e oficializado pelo Anuário Estatístico Brasileiro em 2005 como quinto ponto mais alto do país, onde permanece quietinho até os dias de hoje. Curiosamente, acumula os títulos de ponto culminante do estado do Rio de Janeiro e o terceiro ponto mais alto do estado de Minas Gerais em função da linha de divisa entre os estados passar exatamente no cume.
A ascensão de Agulhas Negras é o maior atrativo da parte alta do PNI e uma saída clássica dos cursos básicos de montanhismo de São Paulo e Rio de Janeiro. Então, unindo o útil ao agradável, juntou-se a saída para Agulhas Negras do CBM 2005 do GPM com a do P10C em 18 de junho de 2005.
Os alunos Eduardo Batista, Emílio Lacerda Conde, Frank Teruhiko Fukunari, Karina Sayuri Imamura, Maique Grimello, Marcelo H. Ogawa, Vivian Lena Sassaki Sato se juntaram aos montanhistas Alberto Hidemi Shimuta, Antonio Sérgio Castilho, Bernardo Ioshinori Narutaki, Carla Anita Tanaka, Cláudia de Caiado Castro, Claudinei Dias da Silva, Danilo Allegrini, Dilson de Almeida, Ding Xu, Eduardo Crestana Guardia, Eduardo Sertório, Eli Shimako, Eliane Katsumi Tsuruda, Enzo Ebina, Flávio Masahiro Kitahara, Jane Kazumi Ono, Karen Ebina, Mário Toshiyuki Hoashi, Marlei Mathias, Nanci Yuko Kaneko, Pedro Bocagini, Ricardo Suzuki, Simone Yumi Moniwa, e Yoshimi Nagatani, totalizando 31 montanhistas, para realizar a ascensão do Agulhas Negras capitaneados pelo Chiko.
A aproximação até a base do maciço de Agulhas Negras se iniciou atrás do Abrigo Rebouças, contornando a represa e seguindo pela trilha sempre em direção à Agulhas Negras. Em fila, os montanhistas passaram por uma ponte pênsil e, cerca de 400 metros adiante, cruzaram o córrego Agulha Negras para chegar à base. Seguiram pela trilha que sobe em diagonal para a esquerda, entrando na Via Pontão Ricardo Gonçalves – 2º III E2, a mais utilizada para a ascensão, conquistada em 1957 por associados do CEC – Centro Excursionista Carioca: Drahomir Vrbas, Hamilton Maciel, Luis Fabrício e Ricardo Menescal. Subiram por uma rampa em direção a Pedra da Coroa, referência na ida e na volta. Ao final da segunda rampa há uma pequena floresta e um paredão do lado esquerdo. É um ponto de bifurcação. A grande maioria das pessoas que vão para Agulhas seguem à esquerda, vencendo a parede e continuando na via. O guia segue pela direita, entrando na Via Normal – 2º II E2, a primeira que conquistou Agulhas em 1898 por Horácio de Carvalho e José Borba. Nitidamente adentraram a uma garganta, ganhando altura através de trepa-pedras e alcançaram duas grandes pedras aparentemente intransponíveis…
O guia Chiko se esgueirou por uma fenda estreita embaixo das pedras, contorceu-se e saiu por cima, sendo seguido pelos demais. Para alguns, a sensação de atravessar a fenda é semelhante à passagem pelo útero quando do nascimento, motivo pelo qual a rota ser conhecida como via do útero.
Avançaram pela canaleta à esquerda, galgando uma lombada até alcançarem uma fenda escura. Neste ponto, há duas formas para subir, uma por fora usando a técnica de chaminé ou, o que a maioria acaba seguindo, inclusive o grupo, que é se esgueirando por uma fenda a meia altura, à esquerda. É bem estreita e muitas vezes úmida, também lembrando uma passagem pelo útero. Do outro lado está a folha de zinco, uma pedra bem lisa que foi vencida com muita fé e paciência por uma estreita canaleta à direita, junto a parede lateral.
Alguns poucos metros à frente, seguem em outra canaleta à direita. Logo já avistam o Cruzeiro, ponto final para muitos, pois uma fenda profunda o separa do Itatiaiaçu, uma pedra isolada onde está o cume do maciço de Agulhas Negras e uma urna com um livro de registro, para aqueles que o acessam.
Além do guia, Frank Fukunari e Marcelo Ogawa foram os primeiros a chegarem ao Cruzeiro. Um breve descanso e iniciaram a instalação das cordas para rapelar na fenda entre o Cruzeiro e o Itatiaiaçu. Chiko passou o lance de escalada e montou um top rope para que os montanhistas escalassem o Itatiaiaçu.
Não foi possível todos assinarem o livro de registro em função do limite de horário para o retorno.
A descida seguiu a tradicional Via Pontão que começa pela parte posterior de Agulhas. Para agilizar a descida, foram montados dois lances de rapel. Passando sob uma pedra encaixada, seguiram pelo lado esquerdo da garganta até o seu final. Lá embaixo, desviaram para a esquerda até o ponto de bifurcação. Tem um grampo onde foi montado outro rapel para alcançarem a base da parede. Daí em diante, o retorno foi feito pelo mesmo caminho, sem esquecerem da Pedra da Coroa como ponto de referência para prosseguirem a descida.
Para Flávio Kitahara, o Chiko, condutor nesta oportunidade, levar um grupo de montanhistas para Agulhas Negras é poder retribuir e compartilhar a generosidade da Natureza, das Montanhas e montanhistas condutores. E, se um dia, alguém perguntar-lhes se já foram para Itatiaia, que possam sorrir orgulhosamente.
Pedra do Sino de Itatiaia
A Pedra do Sino de Itatiaia com 2.670,0 metros, 9º ponto mais alto do Brasil, é comumente confundida com a sua homônima no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PNSO). Além de ser 446 metros mais baixa, a homônima do PNSO está na 33ª posição na relação dos pontos culminantes do país.
No dia 2 de julho de 2005, com destino à Pedra do Sino de Itatiaia, seguiram os montanhistas Antonio Sérgio Castilho, Bernardo Ioshinori Narutaki, Carla Anita Tanaka, Danilo Allegrini, Dilson de Almeida, Eduardo Sertório, Flávio Masahiro Kitahara, Fredson Lopes de Macedo, Jane Kazumi Ono, Mário Toshiyuki Hoashi, Nanci Yuko Kaneko, Ricardo Suzuki, Yoshimi Nagatani, capitaneados por Boss e Cao. Até então, nenhum dos 15 montanhistas havia colocado os pés na Pedra do Sino de Itatiaia.
Pouquíssimo frequentada, não possuía uma trilha definida como seus vizinhos Agulhas Negras e Asa de Hermes, por onde os condutores Boss e Cao decidiram acessá-la.
O início da trilha foi o mesmo para Agulhas Negras, virando à esquerda antes do córrego de mesmo nome. Seguiram pela margem esquerda do córrego por 800 metros até a altura do vale da Asa de Hermes quando o atravessaram buscando os melhores pontos no charco. O grupo avançou pelo vale, entre a Asa de Hermes e a face do norte do Maciço de Agulhas Negras. A partir daí, iniciou-se uma escalaminhada em direção ao cume, atravessando dois vales. Esta via Pedra do Sino é classificada como 1º I sup E1.
Para o retorno do Sino, os condutores optaram por outro caminho, igualmente desconhecido, seguindo em direção à Pedra do Altar e com o apoio cirúrgico do Antonio Castilho abrindo caminho por entre um bambuzal. Lamentaram cair em um charco e, finalmente, caindo em si, contornaram-no e engataram na trilha normal até o Rebouças.
Assim foram os primeiros passos do Projeto 10 Cumes buscando a evolução de montanhistas iniciantes e experientes através do convívio e vivência no Parque Nacional do Itatiaia.
Os passos seguintes foram para o Parque Nacional do Caparaó, onde estão o Pico da Bandeira e o Pico do Cristal. Até a próxima!
Bibliografia
SPANNER, Júlio; SPANNER, Igor. Guia da Região de Itatiaia: Escaladas e Montanhismo. 1. Ed. Rio de Janeiro, 2012.
GUEDES, Jorge; GUEDES, Fábio. Guia de Escaladas do Itatiaia. 1. Ed. Rio de Janeiro, 2000.
TEIXEIRA, Wilson; LINSKER, Roberto. Itatiaia: Sentinela das alturas. 1. Ed. São Paulo: Terra Virgem, 2007.